quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Bilhete não Entregue

Como foi bom reencontrar-te, estar contigo, dormir... expressar em palavras o quanto és especial.

Sair do meu mundo cartesiano e dizer que te adoro, te quero e te amo me torna mais humano.
Chamo isto que sinto de amor. Na verdade não consigo conceituar, só sinto mesmo. Mas o que sinto se assemelha muito com o que conceituaram de amor.
Talvez nos encontraremos daqui a pouco, daqui a dias, anos, ou não nos encontremos mais. Contudo, penso que sempre estarás em mim. Guardo comigo cada sorriso, toque, cheiro, fala, gozo... Guardo cada momento. Obrigado por me deixar mais humano. Amo-te!

Primavera de 2011, Niterói- RJ

Estamira

E ela veio assim ao mundo, fecundada entre Deus e o Diabo. Fruto do amor entre os dois. Aos nove anos, menina franzina, pernas cinzentas e cabelos esvoaçados, teve seu hímen rompido pelo membro de seu pai. No mergulho do teu pai em seu corpo a infância foi ceifada e logo sua meninice se transformou na formosura do prostíbulo.

De menina à quenga, mulher da vida. Cheiro de alfazema misturado ao cigarro barato; cachaça e conhaque para acalmar a alma e tornar a menina obscena. Abre porta e fecha porta, no colchão empoeirado, sob lençóis úmidos de gozos e o odor da borracha dos preservativos gastos e outros jogados ao chão pela recusa e o pagamento maior dado pelo cliente. E ali ela se fez mulher, se fez Eva, Maria, Marta, Madalena... Fez-se Estamira.
O bordel foi a escola, espaço de diálogo, de sonhos, decepções e aprendizados. Sua decodificação e letramento foram além da lingüística, sendo estes contextualizados numa sociolingüística do seu cotidiano. E entre rolas, chanas, paus, cus, pirocas, peitos, bucetas, picas e mamilos seu vocabulário foi se formando. Sua semiótica se deu entre os índices dos olhares, com a leitura dos corpos que volupiavam num vai e vem contínuo entre sussurros, gemidos e desejos sob tua pele.
De tanto abrir as pernas colocou no mundo outros seres. Dizem que são pessoas, gentes, humanos; outros acreditam que são ciborgues. E assim foi seguindo tua sina, tecida entre o trigo e o enxofre.
Nas esquinas do ser, novas paisagens foram se apresentando. E ali está ela, não mais menina, nem mulher. Para muitos um farrapo, para outros uma louca, uma possuída, para ela uma profeta em meio aos lixos. A profeta do Jardim Gramacho. Lixo seu, lixo meu, lixo nosso que se transformou em teu mundo, no teu sustento; Sua nova escola sem bancos, sem quadros e canetas. Novamente uma escola da margem, sem os olhos do estado e com seus saberes particulares. Mas quem tem coragem para construir suas próprias escolas? Para perseguir ou perder a mira? Quem tem coragem para largar o rumo e seguir caminhos contrários? Quem tem coragem para fazer do sêmen do seu pai uma lama fecunda?
Sair da norma, devanear... Será isto a loucura?
Dopou-se com lucidez, e entre um gardenal e um rivoltril rompeu manicômios, destruiu prisões e construiu suas escolas. Matou Deus e se fez sua semelhante, construindo-se como divina. Quem ousa ocupar o lugar de Deus se fazendo santo, profeta e humano?
Em sua ocupação dos espaços divinos sua vida foi seguindo nos entulhos, na ojeriza dos pastores, nos ralos que se misturaram aos calos do teu fazer humano, e de repente se tornou Deusa, se tornou humana, padecendo numa fila qualquer, numa maca qualquer, de um hospital qualquer com um SUS qualquer.
De menina à puta, de puta à Deusa. De Deusa à diabética.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Eu sem mim...

Hoje quando o celular rompeu o silêncio do quarto me despertando às 07h. 00 eu já me levantei sem mim...mas em qual sonho fui parar?

Faltava-me a libido matinal, não precisando me preocupar em consertar o pênis na cueca samba-canção, minha companheira de desejos e segredos das noites solitárias. E não precisava mesmo, o apartamento estava vazio, sem ruídos, sem pessoas... nem eu mesmo estava ali.
A sandália parece não querer encaixar-se no pé, mas meu pé continua o mesmo, não cresceu, não está inchado, preciso que se encaixe, tenho que andar.
Escovar os dentes, descascar banana e comer mamão. Hoje isto já basta! Não tem cuzcuz, ovo frito e muito menos café. Este café já não me satisfaz, não tem mais sabor! Quero café moído na hora e coado num saco, quero cheiro de mim, que também tem cheiro de ti. Mas por agora basta, não há vontade, me falta o tesão.
A velha calça jeans, não muito surrada, mas já desbotada me espera à cabeceira da cama; e mais uma vez me perco na dúvida de qual camisa vestir. Acho que esta ficou boa, parece comigo. Estranho... me sinto apertado. Não, não quero camisa de força, vou sem você!
Diante do espelho tudo fica melhor, está refletido, o espelho não mente. A barba está rala e falhada. Não consigo espalhar, quanto mais minha mão acaricia o meu rosto já quente, mais eu me lambuzo com este líquido branco. E as manchas brancas pelo rosto me trazem à memória fantasias; mas são apenas fantasias, o cheiro do produto não me deixa enganar. É protetor solar e não esperma! Não é seu esperma, nem mesmo o meu.
Chega de fantasias! A rua se abre, a vida chama, pessoas me esperam. Mas onde estou? Hoje não estou em mim, não estou em ti. Onde fui parar?
O dia acabara de começar e o óculos esconde meus olhos, pessoas me olham, falam comigo e damos risadas. Elogios hoje não me envaidecem, não estou em mim. Sou isto tudo não, mas se é o que vocês pensam, obrigado!Sempre acho que sou totalmente o contrário do que pensam de mim... hoje então, não me vejo mesmo, não me encontro.
E já se passaram 300 anos e eu aqui sentado, ouvindo e refletindo Rousseau... os mesmos dilemas, as mesmas dúvidas. O que se fazer com o ser humano?
Não há estética! Mataram a arte, Deus está morto!
Por favor, o que é isto? Estou no ambiente errado? É uma igreja ou uma universidade? Eu devo mesmo não estar em mim.
Eu não estou em mim, e por que você me observa? Por que me fita com teu olhar que me desnuda em teu sorriso caçador? Hoje não estou para caça... não estou no cio, meu cheiro exala ausência.
Seu galanteio me incomoda. Hoje definitivamente não estou em mim. Meu sorriso não é este, e meu olhar é outro. Não, não posso ficar! Não quero ficar. Você não vê? Não estou em mim. Minha existência é lacunar, hoje não estou em mim... e amanhã você poderá não estar também.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Auto-antropofagia

Me situo num vácuo,


Numa ausência.

Me percebo,

Me delineio,

E vou me comendo,

Como num ritual auto-antropofágico...

Vou me rasgando,

Ruminando,

Trocando,

Construindo,

Mãgutando.

SaudArde

E a saudade é isto que Saussure não deu conta de dizer.


Saudade é polissemia.

A saudade queima,

Arde,

Penetra,

Aloja,

Preenche vácuo,

Liberta ausências.

A saudade se sente,

Mesmo quando não se quer mais senti-la.