domingo, 22 de dezembro de 2013

E quando a distinção vem vestida de branco?

Já tem um tempo que gostaria de escrever sobre o Programa Mais Médicos, particularmente sobre a chegada dos médicos cubanos no território brasileiro.Vamos lá!

Quem é do interior, ou mesmo da periferia de grandes centros, sabe das dificuldades e percalços em encontrar um médico próximo de sua localidade. Ou ainda quando encontra, está submetido às consultas “fast food's”, uma vez que o “Dr.” precisa retornar rapidamente para sua clínica e voltar para a capital. Descaradamente, essa realidade vem sendo velada e cultivada durante décadas. E mesmo com os vários anos da política de humanização do SUS é comum aceitar justificativas do tipo: “[...] não nos podem obrigar a ir para o interior, lá não tem nada, não tem cultura”, “[...] não estudei para me enfiar no meio do mato”, “[...] Ah, não quero ficar no meio do nada cuidando de pobre num posto de saúde”, dentre outras. Ótimo! Ninguém é obrigado(a) a nada.

Meu estranhamento, e nem tanto, é a maneira como a classe médica brasileira vem se portando com a chegada dos médicos cubanos (abordarei aqui apenas a inserção dos médicos cubanos, embora o programa contemple médicos de outros países). É vergonhoso como o elitismo profissional e seu racismo pulsam, revelando uma questão muito discutida e escamoteada na sociedade brasileira: A escola e sua produção de desigualdades.

Nessa perspectiva de análise, pensar como o sistema educativo brasileiro está montado para a legitimação do status quo de determinados grupos em algumas profissões, é um caminho necessário para a compreensão de uma problemática que não é isolada e pontual. Observa-se de maneira sorrateira nos currículos ocultos uma mensagem do “isso não é para mim”, uma vez que o Estado não oferece políticas eqüitativas de uma educação, caindo no fomento de cursos técnicos para a grande massa de estudantes oriundos da classe trabalhadora, futura mão-de-obra barata e acrítica nas linhas de produção, e Universidades públicas com cursos elitistas reservados a uma pequena parte da população diferenciada por localização geográfica, raça/etnia, e por que não falar de gênero?

Neste sentido, é motivo de festa quando um(a) negro(a) consegue acessar a universidade pública num curso que “não é para ele(a)”. Isso não faz parte do nosso cotidiano, é algo exótico. “E ele conseguiu por conta dos seus esforços, os outros também podem, se não conseguem a culpa é deles”. Tudo parece lindo, mas a realidade não é bem essa. As Políticas Afirmativas, também conhecidas como políticas de cotas enfrentam até hoje os seus “adversários” que tentam a todo custo inviabilizar o acesso de certos grupos à Universidade pública brasileira, ou melhor, a alguns de seus cursos. Sendo já provado em algumas pesquisas que os(as) alunos(as) cotistas em nada ficam atrás dos(as) demais universitários(as) em termos de rendimento. Vale ressaltar que as políticas afirmativas não dão conta por si só, quando não há política de permanência universitária. Como permanecer na Universidade morando na periferia e não tendo um auxílio transporte, nessa mobilidade urbana que é um caos; bem como diante da ausência dos restaurantes universitários?

Se formos ainda problematizar a formação que a classe médica vem tendo nas Universidades públicas e privadas, veremos cursos com currículos que não preparam os(as) futuros(as) médicos(as) para a medicina preventiva, talvez aí esteja a falta de interesse em trabalhar em áreas periféricas. Isso sem falar na relação da medicina com a saúde diferenciada do povo negro e indígena. Herança de uma ciência ocidental que almeja ser una, em detrimento de demais ciências colonizadas.

Numa sociedade em que a distinção se faz com um título e um jaleco branco é preciso a todo o momento cercear o acesso de outros(as) que não são “herdeiros(as)” de tal profissão. Neste caso, é preciso dizer e denunciar que em nosso Brasil algumas profissões são cartéis de privilégios definidos por classe, raça/etnia e gênero. Desta forma, compreendo que mudanças perpassam uma Educação Básica de qualidade e a construção de uma Universidade pública que dialogue com os saberes do povo. Ou seja, um sistema educativo includente em que seguir determinada profissão não obedeça a recortes de classe, raça/etnia e gênero.