Já tem um tempo
que gostaria de escrever sobre o Programa Mais Médicos, particularmente sobre a
chegada dos médicos cubanos no território brasileiro.Vamos lá!
Quem é do
interior, ou mesmo da periferia de grandes centros, sabe das dificuldades e
percalços em encontrar um médico próximo de sua localidade. Ou ainda quando
encontra, está submetido às consultas “fast food's”, uma vez que o “Dr.” precisa
retornar rapidamente para sua clínica e voltar para a capital. Descaradamente,
essa realidade vem sendo velada e cultivada durante décadas. E mesmo com os
vários anos da política de humanização do SUS é comum aceitar justificativas do
tipo: “[...] não nos podem obrigar a ir para o interior, lá não tem nada, não
tem cultura”, “[...] não estudei para me enfiar no meio do mato”, “[...] Ah,
não quero ficar no meio do nada cuidando de pobre num posto de saúde”, dentre
outras. Ótimo! Ninguém é obrigado(a) a nada.
Meu
estranhamento, e nem tanto, é a maneira como a classe médica brasileira vem se
portando com a chegada dos médicos cubanos (abordarei aqui apenas a inserção
dos médicos cubanos, embora o programa contemple médicos de outros países). É
vergonhoso como o elitismo profissional e seu racismo pulsam, revelando uma
questão muito discutida e escamoteada na sociedade brasileira: A escola e sua
produção de desigualdades.
Nessa
perspectiva de análise, pensar como o sistema educativo brasileiro está montado
para a legitimação do status quo de
determinados grupos em algumas profissões, é um caminho necessário para a
compreensão de uma problemática que não é isolada e pontual. Observa-se de
maneira sorrateira nos currículos ocultos uma mensagem do “isso não é para
mim”, uma vez que o Estado não oferece políticas eqüitativas de uma educação,
caindo no fomento de cursos técnicos para a grande massa de estudantes oriundos
da classe trabalhadora, futura mão-de-obra barata e acrítica nas linhas de
produção, e Universidades públicas com cursos elitistas reservados a uma
pequena parte da população diferenciada por localização geográfica, raça/etnia,
e por que não falar de gênero?
Neste sentido, é
motivo de festa quando um(a) negro(a) consegue acessar a universidade pública
num curso que “não é para ele(a)”. Isso não faz parte do nosso cotidiano, é
algo exótico. “E ele conseguiu por conta dos seus esforços, os outros também
podem, se não conseguem a culpa é deles”. Tudo parece lindo, mas a realidade
não é bem essa. As Políticas Afirmativas, também conhecidas como políticas de
cotas enfrentam até hoje os seus “adversários” que tentam a todo custo
inviabilizar o acesso de certos grupos à Universidade pública brasileira, ou
melhor, a alguns de seus cursos. Sendo já provado em algumas pesquisas que
os(as) alunos(as) cotistas em nada ficam atrás dos(as) demais
universitários(as) em termos de rendimento. Vale ressaltar que as políticas
afirmativas não dão conta por si só, quando não há política de permanência
universitária. Como permanecer na Universidade morando na periferia e não tendo
um auxílio transporte, nessa mobilidade urbana que é um caos; bem como diante
da ausência dos restaurantes universitários?
Se formos ainda
problematizar a formação que a classe médica vem tendo nas Universidades
públicas e privadas, veremos cursos com currículos que não preparam os(as)
futuros(as) médicos(as) para a medicina preventiva, talvez aí esteja a falta de
interesse em trabalhar em áreas periféricas. Isso sem falar na relação da
medicina com a saúde diferenciada do povo negro e indígena. Herança de uma
ciência ocidental que almeja ser una, em detrimento de demais ciências
colonizadas.
Numa sociedade
em que a distinção se faz com um título e um jaleco branco é preciso a todo o
momento cercear o acesso de outros(as) que não são “herdeiros(as)” de tal
profissão. Neste caso, é preciso dizer e denunciar que em nosso Brasil algumas
profissões são cartéis de privilégios definidos por classe, raça/etnia e
gênero. Desta forma, compreendo que mudanças perpassam uma Educação Básica de
qualidade e a construção de uma Universidade pública que dialogue com os
saberes do povo. Ou seja, um sistema educativo includente em que seguir
determinada profissão não obedeça a recortes de classe, raça/etnia e gênero.
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