terça-feira, 30 de outubro de 2012

Uma ligação inesperada


A noite estava tranquila e quente como a maioria das noites em Aracaju. Encontro-me na sala, no meu lugar cativo, sentado com os pés em cima do sofá diante do computador. No chão, livros e textos avulsos em meio às almofadas. Na janela, as estrelas aparecem gradeadas, e eu as contemplo num ir e vir do sofá.

Por um momento penso que estou sozinho no apartamento, mas logo escuto o barulho no quarto ao lado, e o cheiro de sexo entra em minhas narinas. Concentro-me na escrita de mais um artigo e deixo tudo passar. A vida acadêmica tem sido minha a melhor companhia.

Tudo parece muito calmo novamente, sem barulhos e cheiros. Reinando apenas os livros, a escrita e eu.

O celular toca e é você. Você que some e de tempos em tempos reaparece ao perceber que não ligarei, que não o procurarei. Mas que sentimento é esse que lhe faz autoflagelar diante de mim? Por um momento, ao olhar o teu nome no visor penso se devo atender ou não. E me pergunto: O que seria mais desastroso, atender ou não atender? Atendo e você vem com a voz mansa, perguntando como estou, se estou bem. A conversa parece tomar um rumo comum, sem muitas novidades e exageros, mesmo você insistindo em me dizer que estás bem, que estás namorando, que te encontras feliz.

A conversa poderia acabar ali, você me dizendo que está feliz. Mas você insiste em me dizer mais, você quer colocar pra fora o que ainda está guardado em ti. Eu lhe provoco e você começa a externar o lacrado, o indizível e o sentido.

Eu lhe permito falar de amor, e você arvora a dizer como se só você soubesse falar deste sentimento que nos idiotiza, fragiliza e que nos torna humano. Você vai mais longe e diz que nunca amei ninguém, que sou frio e calculista, agindo sempre pela razão. Mas o que você sabe falar sobre o meu amor? O que você pode dizer sobre a minha dor? Carrego meus amores nas entranhas sem um útero fecundado.

Por hoje não basta, você quer falar mais. Quer gritar ao mundo que me odeia e pede ao teu deus que livre o mundo do meu amor. Mas você não é mundo, e que teu deus apenas te livre de mim.

Você é provocante, e eu respondo com risadas e sarcasmo. Falo-te de nossas transas e vou jogando com você. O amor também é jogo! O tabuleiro está virando e você já se encontra rendido. Rendido pelas lembranças do meu cheiro, do meu toque, dos meus beijos e do meu sexo. Mas eu quero ouvir mais, agora estou no controle, puxando as cordas. Vai, diga que você me quer, que me deseja e que minha lembrança lhe persegue.

Você não resiste, sinto teu corpo tremer do outro lado da linha. Você me quer e diz com todas as letras me chamando de cafajeste. Mas o que é o amor senão este sentimento que nos idiotiza e nos torna cafajeste?

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Entre cor, cheiro e sabor.


Num apartamento em meio a tantos, no décimo terceiro andar de um edifício em Laranjeiras, a chama se acende com suas labaredas azuis e vermelhas, esquentando bocas, ferros e partilhas. A cozinha se torna aconchegante e as panelas parecem pedir para serem tocadas e acariciadas. Todas querem celebrar conosco. É mais um reencontro!

Lá fora, os carros cortam o asfalto, e pessoas caminham freneticamente, carregando sonhos, desejos e vontades. Por aqui, observo suas mãos com movimentos rápidos que insistem em fazer tudo sozinho, e logo a cebola é picada sem lágrimas, misturando-se ao cheiro do alho e do pimentão, em meio ao barulho da panela que já canta no fogo. No som ao fundo, um tenor nos acompanha, marcando ritmos e compassos. Que deslizam no óleo quente a fritar os condimentos.

A calabresa já está cortada, esperando o momento certo de sua fecundação, com uma pitada de sal. Poderia faltar tudo, mas sobraria a alegria, a felicidade e o contentamento do reencontro. “Sempre haverá um cantinho para você se jogar!”

Sem vinho, ou com vinho; na sacadinha, ou no quarto. De frente, ou de costas para o Cristo; sempre haverá o reencontro. Nossa amizade tem cor, cheiro e sabor. Impossível preparar berinjelas e lentilhas sem lembrar de “Ti”.